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Caminho de Santiago pela Costa – 9.ª etapa
Momentos bem passados com um grupo tão heterogéneo
A saída para a etapa de Arcade a Combarro aconteceu no sítio do costume à hora habitual, Sete Bicas 7.15h, todos os participantes no autocarro nos lugares que se tornaram praticamente habituais. Os cumprimentos tradicionais entre os elementos, e, claro, a contagem para garantir que o autocarro podia avançar… E siga, que o pão com manteiga e o café esperam por nós em Valença.
No autocarro a conversa era preferencialmente sobre temas prementes da actualidade, leia-se comida – a cabidela, o bacalhau, a jardineira e tudo o que se iria jantar no próprio dia, que já tinha ficado preparado de véspera, a malta que se aloja na cozinha não deixa os créditos por mãos alheias.
Havia ainda quem, pasmem-se, conversasse sobre futsal e a magnífica vitória de Portugal sobre Espanha. Para memória futura reforço que ganhámos 3-2 depois de estarmos a perder por 0-2.
Estava na altura de recordar o que se passou na etapa anterior, e a leitura da crónica permite reavivar os momentos (belos) que passámos no percurso.
A nossa team leader, Rosa, falou sobre a etapa, da ausência de dificuldade por se tratar de um percurso plano e com cerca de 23km; no entanto, reforçou que tinha alguns créditos da etapa anterior… talvez seja melhor começarmos a ouvir melhor o que nos dizem.
E eis que o momento que todos aguardavam com enorme ansiedade acontece. Cerca de 30 caminheiros que tinham passado 15 dias a trabalhar as suas cordas vocais são postos à prova para exibir os seus dotes. O maestro Valente reforça que para vozes tão afinadas só será necessário cumprir com a métrica; tudo o resto é perfeito: postura, respiração e afinação… e acima de tudo entusiasmo. O sucesso é tamanho, que já se fala em participar em concursos de talentos.
Com tantas actividades chegámos a Valença quase sem notar, e o pequeno-almoço nos sítios tradicionais é servido. Há quem tome pequeno-almoço, quem opte por trazer uns docinhos para casa (as valencianas são uma boa opção por serem o doce típico da cidade) e há quem só falte pedir o frango assado a acompanhar a regueifa, que talvez por vergonha venha só com manteiga.
Energias repostas, e novamente no autocarro para a contagem tradicional, confirmado que todos estavam, atravessámos a fronteira. Fomos surpreendidos pela Guardia Civil logo ali na entrada; aparentemente tudo estava bem, até porque todos os caminheiros continuaram a viagem, mas também Espanha não é a África do Sul.
Até Arcade voltámos às cantorias, e para variar enquanto cantavam «Coimbra tem mais encanto na hora da despedida» eu particularmente só pensava há quanto tempo não comia pastéis de Tentúgal, mas o maior sucesso foi mesmo um hino às loiças sanitárias e à necessidade de as redimensionar.
Com isto tudo até parece que o dia já tinha terminado, mas desenganem-se: estávamos a chegar a Arcade, ao nosso ponto de partida.
As famosas empanadas foram adquiridas, para o almoço e para trazer, e os mais impacientes iam apelando para que se iniciasse o caminho com a leitura da oração e a famosa foto de grupo (desta vez foi mesmo uma série de fotos de grupo) e finalmente partida. E… parou… logo ali no albergue, o primeiro carimbo, e agora – sim! – é seguir até Pontevedra.
Os caminheiros concentram-se no caminho para não perder nada da paisagem, e, claro!, a conversa continua e o tema fundamental e que mais importa nesta jornada… a comida… sempre a comida.
O dilema do arroz de pato, a tragédia, o horror, não é possível: o arroz tem queijo e lá tem de ser a Celeste a sacrificar-se pelo grupo e a assumir que come o queijo da Nandinha.
Depois de inúmeras discussões à volta do mesmo (variadas iguarias gastronómicas que por falta de espaço nesta crónica não vou enumerar) continuámos a percorrer Arcade sem deixar de fotografar e admirar algumas das suas preciosidades, e desta vez não falo de comida.
Devo relembrar que por aqui continuámos a ver inúmeros cruzeiros que eram utilizados antes de existirem as marcações das setas e das vieiras para os peregrinos seguirem até Santiago.
Saímos de Arcade pela famosa Ponte Sampaio, uma ponte na província de Pontevedra que é testemunha da batalha épica (para os espanhóis) contra as tropas francesas, durante a Guerra da Independência.
Depois de passar a ponte, o nosso caminho continua pelo meio da localidade que parece retirada de um postal. Logo após o cruzamento onde podemos ver o cruzeiro do cacheiro, um dos mais emblemáticos do caminho (ainda que partido), viramos para Ponte Nova, onde existia uma antiga ponte medieval. Temos de atravessar o rio, felizmente numa ponte nova; para evitar umas braçadas matinais, continuámos pela estrada romana. Esta antiga estrada ligava as cidades de Braga e Astorga na época romana.
Antes de entrar em Pontevedra, a paragem na capela de Santa Marta é obrigatória para o carimbo, e até Pontevedra o percurso foi realizado pela estrada, pelo caminho tradicional, e desta vez ficou por explorar o caminho complementar (uma alternativa para fugir ao alcatrão).
Chegados ao Albergue de Pontevedra é a oportunidade de finalmente almoçarmos o pulpo, encomendado pela organização… estava excelente… Talvez esteja a exagerar, e cada um comeu o seu farnel; café tomado e carimbo aposto, avançámos para o centro.
O percurso fez o grupo passar por locais emblemáticos no caminho: a praça do peregrino e a igreja da Virgem Peregrina são dois dos exemplos.
Na igreja alguns aproveitaram para carimbar, para comprar pins e pulseiras, e o milagre aconteceu: uma estátua a falar ao telefone, algo nunca antes visto… Afinal era só mais um brasileiro num período de pausa do seu papel de homem estátua.
Enquanto se ofereciam pulseiras e se davam os 3 nós que garantem a realização dos desejos, o grupo esperou por alguns peregrinos que estavam ainda no café, onde a indicação de natas e vinho do Porto fazia prever a origem portuguesa do proprietário.
Pontevedra é uma das cidades mais importantes no caminho português, e por isso não saímos da cidade sem registar o momento na porta do caminho assinalada no chão.
Para os mais distraídos a cidade tinha mesmo previsto a passagem de gente BOA e marcou essa passagem, e nós não deixamos de agradecer imortalizando o momento numa BOA foto.
Deixámos Pontevedra para trás e fomos ao encontro da variante espiritual; pouco depois da saída da cidade é possível optar pelo caminho português ou pela variante espiritual – seguimos pela esquerda e vamos apostar na espiritual.
Mesmo antes desta decisão alguns elementos (devemos dizer dois elementos) aproveitaram para verificar a qualidade da relva espanhola e rebolaram encosta abaixo numa tentativa de aferir se a humidade é superior na Galiza, aparentemente também existem urtigas em Espanha.
Informo que será criada uma conta no BPI para que os interessados em receber o vídeo da reportagem possam depositar o valor que garante o acesso ao conteúdo premium.
Nesta altura também o melhor dos dispositivos eletrónicos para medição dos quilómetros realizados começava a dar indicações: o pé da Sónia indicava claramente que tínhamos chegado aos 20 km.
A subida até à igreja de São Pedro obrigou a parar por uns minutinhos para recuperar o folego, mas rapidamente seguimos o caminho por zonas agrícolas até chegar ao mosteiro de Poio.
A nossa meta era Combarro, mas faltava ainda passar o bonito mosteiro de Poio. Até lá os vestígios dos portugueses são visíveis, e, claro, o destaque de uma casa com dois típicos galos de Barcelos não pode faltar nesta nossa crónica.
Chegados aqui, a procura pelo carimbo… sem sucesso, e siga para Combarro na esperança de ver a água ao fundo do túnel (quem não tem cão caça como gato, e se não pode ser luz, que se veja pelo menos a água), e o cansaço começa a fazer-se sentir.
No parque infantil há que manter a tradição, e apesar de as forças já começarem a falhar há sempre quem não deixe de experimentar uma ou outra actividade.
Avista-se Combarro e a entrada na localidade não desilude, uma pequena vila piscatória que impressiona pela quantidade de espigueiros. Há quem diga que os espigueiros foram construídos para guardar as artes dos pescadores, mas talvez seja mesmo mais correcta a segunda versão da história, que diz que os espigueiros serviam para guardar os cereais que eram transportados por barco até à vila.
Aqui, foi café para alguns e a recolha ao autocarro para outros, nesta fase os mergulhos impressionavam (não esquecer que estamos em Fevereiro, e saltar para a água talvez sugira que os espanhóis que o faziam estivessem um pouco animados por um ou dois chupitos).
É o momento para repor energias, esticar os pezinhos e apresentar algumas reclamações… E, claro!, voltar ao tema que importa, desta vez inspirados pela variante – o tema é bacalhau espiritual.
Feita a verificação da presença de todos os elementos, é altura de deixar Combarro e voltar às Sete Bicas.
No regresso houve uma sessão de terapia do riso ministrada por duas caminheiras, mas o cansaço sobrepôs-se, e só quando estávamos a chegar a Matosinhos se voltou a falar no autocarro.
A Rosa (que nesta altura esgotou o crédito, afinal foram 27 km) foi partilhando algumas fotos e começando a preparar a etapa seguinte.
Mais do que fotografias/vídeos, ficam as memórias de todos os momentos bem passados neste grupo tão heterogéneo.
Por Célia Soares, 9-05-2022
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