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Aventura de Sicó
Na zona de Condeixa
Três atletas do Grupo Desportivo estrearam-se em distâncias de três dígitos ( >= 100 Km), desencaminhados por outros dois, já veteranos nestas andanças, o Fernando Morais e o Luís Álvaro.
A prova teve lugar na bonita zona de Condeixa, perto de Coimbra, sendo denominada por Ultra Trail de Sicó, com a distância de 111 Km e com um desnível positivo, ganho de elevação, de 3300m D+.
No ano anterior tinham existido condições muito adversas, com muita chuva e neve, pelo que havia algum receio do tempo que iriamos encontrar.
Muitas pessoas se interrogam como se treina para uma prova deste género, com tantos quilómetros, de noite e de dia, sem dormir… Pois bem, não se treina! Ou melhor… nós não o conseguimos fazer! O que vamos fazendo é participar em diversas provas, umas mais longas que outras, de preferência bem longas, para ir habituando o corpo ao esforço que naturalmente é exigido numa prova desta envergadura.
O resto são treinos individuais onde se procura ganhar força e alguns treinos com amigos, pois um treino acompanhado sabe sempre melhor que treinar sozinho. E disciplina! Por vezes é preciso sair para treinar mesmo que chova, faça frio, seja noite ou até mesmo de madrugada. É aqui que os amigos e os colegas de trilho, são indispensáveis, para criar motivação!
Se aos afazeres profissionais adicionarmos a vida pessoal de cada um facilmente se percebe que não resta muito tempo para treinos. Há que aproveitar todos os momentos, seja para estar em família seja para estar a treinar. Ser um atleta de trail running também tem muito a ver com ter flexibilidade…e isso também fica patente nessas situações
Mas falemos da prova em si... O mais importante é que a mesma correu de feição a todos, ninguém se magoou e que terminámos! Esse era o grande e talvez único, objectivo!
A prova começou às 00.00h e tinha um tempo limite de 26 horas. A organização estava a cargo d’O Mundo da Corrida, uma associação com provas dadas na organização destes eventos e que à partida garantia algum sucesso no que toca à logística e aos abastecimentos.
Antes do inicio da prova e dado o falecimento da grande atleta Analice Silva, com 73 anos, foi prestado um minuto de silêncio em sua memória pois tratava-se de uma personalidade muito acarinhada pelos atletas que com ela partilharam imensos trilhos por esse Portugal e não só, fora!
Após o tiro de partido, a corrida faz-se devagar, como uma espécie de aquecimento, pois a prova é longa e não vale a pena estar a gastar as energias prematuramente. Das ruas de Condeixa chegámos rapidamente às ruinas de Conimbriga. Um espectáculo com malabaristas de fogo presenteava os atletas à sua passagem.
Até ao primeiro abastecimento, em Beiçudo, ao km 10, a prova foi muito rápida, sendo que logo aqui reforçámos o estômago com uma bifana e mais alguns produtos da Região. Sim, é verdade.. o atleta de trail abastece-se de bifana…às vezes!
Novamente a correr e sempre com o pensamento no próximo posto de abastecimento chegámos ao posto nº 2, em Podentes, ao km 18. Daqui até ao Castelo de Penela, começou algum desnível da prova, estávamos no km 24. A noite estava fria, com a temperatura a rondar os 5 graus e havia alguma humidade no ar. Havia mais um abastecimento mas o objectivo era chegar ao km 47 onde existia a primeira base vida, em Alvorge. Estas bases é onde podemos mudar de roupa e descansar um pouco.
Chegámos já com claridade e o mudar de roupa dá um novo ânimo. Mas ainda faltava mais de metade da prova! Próximo objectivo: chegar à próxima base vida, em Tapeus, km 85. Até lá existiam mais 3 postos de abastecimento e a parte mais difícil da prova, com desníveis acentuados a que se juntou o calor.
A progressão começou a ser mais lenta e as dificuldades foram surgindo, mas km após km e de passito em passito lá as fomos contornando, uma vezes melhor outras…não tão bem! A subida da serra de Sicó, que dá o nome à prova, e a passagem por Poios ficaram marcadas tanto na mente como nas pernas dos atletas.
Na 2ª base de vida, nova mudança de roupa e reforço alimentar onde se destacou a sandes de leitão, estão a ver…não é só bifana! E lá fomos nós, de volta aos trilhos que já “só” faltavam 26 km…. já cheirava a meta. Mas estes 26 km foram de progressão lenta devido ao cansaço acumulado, às dores musculares, às bolhas nos pés e ao sono não dormido.
A questão psicológica de ter que enfrentar a segunda noite também não ajudou…mas a malta já estava mentalizada para esse facto e o apoio de cada um é, e foi, essencial para o sucesso de todos. E assim foi… De posto de abastecimento em posto de abastecimento lá fomos nós…
Quando atingimos a mítica contagem dos 100 km havia nas nossas cabeças uma dupla sensação: se por um lado tínhamos atingido uma marca até então nunca conseguida e isso dava-nos uma motivação suplementar, também sabíamos o que ainda nos faltava percorrer e que passava, essencialmente, por um trilho que o ano anterior tinha causado sensação devido à sua tecnicidade e, por isso, imensa dificuldade: o Trilho da Cascata.
São cerca de 6 km de trilhos técnicos, com subidas e descidas, cordas para auxiliar em algumas passagens mais complicadas e uma vegetação cerrada. Era noite e apenas com o apoio dos frontais de cada um se percebia para onde ir mas isso não impediu de “ver” que se tratava de um trilho espectacular, desafiante sim, mas aquilo que nos desafia só torna a superação mais saborosa! E isso é o que também dá gozo ao atleta de Trail Running, a superação dos obstáculos que a Natureza nos proporciona em cada trilho.
Findo o trilho restavam “alguns” quilómetros já pelas ruas de Condeixa-a-Velha e Condeixa-a-Nova, para finalmente chegar à meta, situada na Praça da República. E foi onde chegámos, 23 horas depois de termos começado.
Para nós nunca foi uma questão de em quanto tempo vamos fazer a prova! O objectivo tinha sido alcançado: tínhamos terminado! Superámos as nossas próprias adversidades, ajudámos os outros a superar as deles e no fim os laços de amizade e camaradagem saíram reforçados.
E a prova de que tudo estava bem é que se começou logo a pensar na próxima… venha ela!
A foto tem a presença dos seguintes atletas: Ricardo Martins; Jorge Atalaia; Luís Calheiros; Fernando Morais e Luís Álvaro.
Por Luis Calheiros, 6-04-2017
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