Ao meu Gustavo, que esta história marque a sua vida como marcou a minha!
Tudo começou em Setembro de 2015 quando descobri que ia ser pai. A Inês chorava por não participar, e eu disse, decidido, vou eu e vou às 100 milhas!
Chegado a Seia começou o nervosismo. Fui levantar o dorsal e mal sentia as pernas de tão bambas que estavam. Oh, meu Deus!, onde eu me vim meter! No briefing fiquei a saber que os primeiros 50km apesar de exigentes eram bastantes rolantes, o que permitia correr muito e a grande velocidade.
No vale do Rossim ia fresco e feliz da vida. Para juntar à beleza natural da serra, o nevoeiro fez-nos companhia dando à serra um ar misterioso. O abastecimento estava óptimo, com tudo a que se tem direito: marmelada, queijo, sopa…
Dali até ao Sabugueiro foi um instante, 60 km feitos com sucesso, boa-disposição e sem mazelas. Só faltam os 100 do ano passado, pensei eu.
Chegado à lagoa Comprida, depois de um troço muito difícil e exigente começam os problemas técnicos. Foi uma subida e tanto, passei junto aos Cornos do Diabo e nem os vi.
Tinha a sensação de ter areia nas sapatilhas: descalcei-me e limpei os pés, mas afinal eram bolhas.
Finalmente cheguei à Torre; as enfermeiras da Cruz Vermelha foram ver os pés... eram só 4 bolhas, 2 em cada pé! Passados uns copos de chá e sopas quentinhas o corpo lá estabilizou nos 36ºC e tive alta para continuar.
Corri por ali fora até Unhais da Serra, onde completei os 100km; até Alvoco da Serra eram ainda 12 km, sendo uns 7 a subir. No abastecimento de Alvoco disse meio a brincar meio a sério: «Já ficava aqui!» Até à Torre são cerca de 8 km com 1200 D+, com o mítico quilómetro vertical pelo meio, coisa pouca. Novos pensos e lá vou eu a caminho de Loriga. Demorei uma eternidade. O desespero e o cansaço eram enormes – «Acho que vou ficar aqui», dizia.
Incentivaram-me a continuar até Seia, faltavam então os PAC de Valezim e Lapa dos Dinheiros.
Em Valezim ainda troquei dois dedos de conversa com populares. Nesta parte da prova em que seguia sozinho na escuridão da serra ouvia passos ao meu lado, de alguém a correr ombro a ombro comigo, alucinações provocadas pelas mais de 30 horas sem dormir, pelo cansaço e talvez pelo medo de ficar ali no meio da serra, sem conseguir pedir auxílio.
Chegado então à última subida, lá está ela, a Cabeça da Velha, a olhar para mim. Acabou o trilho no estádio de Seia. Corri, corri muito, e no cruzar da meta finalmente pude suspirar de alívio! Oh, Meu Deus, consegui!
Por Francisco Freire, 10-08-2016
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